Polêmica |
O enigma dos
profetas
A primeira idéia lhe surgiu numa viagem de férias: ao observar o profeta Jonas, percebeu que, em relação ao corpo, a cabeça está pendida como a indicar um sacrifício. A esta idéia associou-se outra: Tiradentes foi enforcado. Interessando-se mais pela figura, notou que os olhos de Jonas são os únicos do conjunto de profetas que não apresentam íris - como se estivessem sem vida - e a boca pende num relaxamento muscular característico de um morto. Então, arriscou: a expressão de Jonas não é a de uma pessoa que reviveu, ao sair do ventre de uma baleia, e sim a do mártir da Independência. Entusiasmada, com a hipótese, Isolde Venturelli começou a pesquisar a vida do Aleijadinho e de cada conjurado e profeta retratado, estabelecendo as relações alegóricas.
O EXÍLIO DO MESTRE - Isolde Hans Venturelli, com diploma de artes plásticas, didática e ciências jurídicas, referenda as suas hipóteses em sólidos argumentos. Um deles: é no mínimo intrigante uma igreja católica exibir estátuas de profetas, quando a tradição a tradição manda que somnete os santos sejam reverenciados. Mais: os profetas cujos textos estão no antigo testamento, são dezessete e não doze - número das estátuas no outeiro de Congonhas do Campo. A escolha do tema teria extrapolado os objetivos místicos: "Profeta é um visionário do futuro, um homem voltado para preocupações mais sociais do que religiosas", acredita a pesquisadora. Os profetas seriam o suporte ideal para o Aleijadinho transmitir o exemplo dos inconfidentes. Mergulhada em leituras de documentos do século XVIII e entrevistas com pessoas cujos antepassados viveram em Vila Rica, Isolde reconstituiu a vida de Aleijadinho e descobriu que em 1792, ano da morte de Tirantendes, ele não se encontrava em Vila Rica: havia abandonado a cidade para isolar-se num lugarejo denominado Espera (seria outra alusão?), onde executou os entalhes do altar-mor da Capela da Ordem Terceira de São Francisco, situada na capital. "Por que realizar peça de tal volume, distante do lugar para o qual era destinada?", surpreende-se Isolde. No ano seguinte, Aleijadinho reapareceu rapidamente em Vila Rica - como atestam alguns recibos de pagamentos por suas obras -, mas em agosto de 1794 era expedida uma ordem de busca a "Antonio Francisco Lisboa, o entalhador", intimando-o à presença do governador de Minas. Aleijadinho não obedeceu, sumindo do cenário da conjuraçãopor dois anos. Em 1796 fixava residência em Congonhas do Campo e só Voltaria para Vila Rica, sua cidade natal. em 1810. Inválido, foi morar na casa da nora, Joana, até sua morte em 1814. O auto-exílio do Aleijadinho suscita a dúvida: porque ele se afastaria da cidade onde era tão prestigiado? Num relatório sobre as principais construções da região, enviado a Dona Maria I, o autor menciona Aleijadinho como "o novo Praxíteles", comparando-o a um dos mais famosos escultores gregos. ENFRENTANDO O MONARCA - Aleijadinho, segundo o historiador Rodrigo José Ferreira Bretas, seu primeiro biógrafo, custeou os estudos e ensinou a arte do entalhe para um meio-irmão, Félix Antônio Lisboa, que se tornou padre. Em 1831, quando Dom Pedro I empreendeu uma viagem para tentar restabelecer o prestígio da Monarquia nas Minas Gerais, os habitantes das cidades por onde ele passava recolhiam-se às igrejas, enquanto os sinos repicavam pela alma do jornalista republicano Líbero Badaró, assassinado um ano antes em São Paulo. "Em Vila Rica, essa missa de requiém, uma forma de protesto à presença do monarca, foi autorizada pelo diretório da Ordem Terceira de São Francisco, que incluía o Padre Félix Antônio Lisboa", lembra Isolde Venturelli. Sua opinião é de que o Aleijadinho teria contribuído para a formação republicana de Félix. O tema da República estava acesso no Aleijadinho: "O que teria levado Mestre Antônio a enfrentar, já no fim da vida, idoso e mutilado, tarefa tão árdua, não solicitada e mal paga?". A verdade é que Aleijadinho esculpiu os profetas de 1800 a 1805, desafiando enormes blocos de pedra-sabão com cinzéis que lhe eram amarrados nos pulsos por escravos. Recebeu em pagamento quatrocentas oitavas de ouro, preço abaixo do que recebeu por trabalhos anteriores. Mais um argumento para a tese de Isolde.
São detalhes esculpidos, entretanto, que ajudam a comprovar a teste. Daniel ostenta, estranhamente para um profeta, uma coroa de louros, mais cabível a um poeta. Seria Tomás Antônio Gonzaga. Jeremias, em vez de sandálias usa botas e tem os cabelos apanhados num rabo-de-cavalo, penteado usado pelos oficiais contemporâneos a Tiradentes. Ele seria Francisco de Paula Freire Andrade. Ezequiel levanta o punho direito como a representar Luíz Vaz de Toledo, o mais agressivo dos inconfidentes, que declarou: "Mais vale morrer com a espada na mão do que viver esmagado como um carrapato na lama". Aleijadinho e o próprio povo estariam imortalizados em Amós, que exibe traços negróides e um barrete frígio, como o dos revolucionários franceses de 1789. (Revista Visão 30/11/81) Você tem maiores informações? Qual sua opinião sobre este assunto? Escreva. Recebi diversos e-mails com opiniões e outras informações sobre este assunto. Clique aqui e leia as repercussões. |