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O enigma dos
profetas Ao esculpir os profetas do Santuário do Bom Jesus de Matozinhos, em Congonhas do Campo, Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, retratou os principais envolvidos na Inconfidência Mineira liderada por Tiradentes. Sob a repressão da Coroa, Aleijadinho teria utilizado o subterfúgio da alegoria para imortalizar aqueles homens que tentaram mudar os rumos da história do Brasil. Os profetas são os conjurados. Ainda não é uma tese - mas um elenco de indícios que vêm sendo reunidos, há dez anos, pela pesquisadora Isolde Venturelli. A primeira idéia lhe surgiu numa viagem de férias: ao observar o profeta Jonas, percebeu que, em relação ao corpo, a cabeça está pendida como a indicar um sacrifício. A esta idéia associou-se outra: Tiradentes foi enforcado. Interessando-se mais pela figura, notou que os olhos de Jonas são os únicos do conjunto de profetas que não apresentam íris - como se estivessem sem vida - e a boca pende num relaxamento muscular característico de um morto. Então, arriscou: a expressão de Jonas não é a de uma pessoa que reviveu, ao sair do ventre de uma baleia, e sim a do mártir da Independência. Entusiasmada, com a hipótese, Isolde Venturelli começou a pesquisar a vida do Aleijadinho e de cada conjurado e profeta retratado, estabelecendo as relações alegóricas. Aplaudida por alguns historiadores, aceita com restrições por outros que exigem uma prova concreta, mas nunca refutada, sua tese ainda não foi compilada em livro. Ganhou, isto sim, um meio funcional de divulgação: as páginas do calendário Philips 1982. O EXÍLIO DO MESTRE - Isolde Hans Venturelli, com diploma de artes plásticas, didática e ciências jurídicas, referenda as suas hipóteses em sólidos argumentos. Um deles: é no mínimo intrigante uma igreja católica exibir estátuas de profetas, quando a tradição a tradição manda que somnete os santos sejam reverenciados. Mais: os profetas cujos textos estão no antigo testamento, são dezessete e não doze - número das estátuas no outeiro de Congonhas do Campo. A escolha do tema teria extrapolado os objetivos místicos: "Profeta é um visionário do futuro, um homem voltado para preocupações mais sociais do que religiosas", acredita a pesquisadora. Os profetas seriam o suporte ideal para o Aleijadinho transmitir o exemplo dos inconfidentes. Mergulhada em leituras de documentos do século XVIII e entrevistas com pessoas cujos antepassados viveram em Vila Rica, Isolde reconstituiu a vida de Aleijadinho e descobriu que em 1792, ano da morte de Tirantendes, ele não se encontrava em Vila Rica: havia abandonado a cidade para isolar-se num lugarejo denominado Espera (seria outra alusão?), onde executou os entalhes do altar-mor da Capela da Ordem Terceira de São Francisco, situada na capital. "Por que realizar peça de tal volume, distante do lugar para o qual era destinada?", surpreende-se Isolde. No ano seguinte, Aleijadinho reapareceu rapidamente em Vila Rica - como atestam alguns recibos de pagamentos por suas obras -, mas em agosto de 1794 era expedida uma ordem de busca a "Antonio Francisco Lisboa, o entalhador", intimando-o à presença do governador de Minas. Aleijadinho não obedeceu, sumindo do cenário da conjuraçãopor dois anos. Em 1796 fixava residência em Congonhas do Campo e só Voltaria para Vila Rica, sua cidade natal. em 1810. Inválido, foi morar na casa da nora, Joana, até sua morte em 1814. O auto-exílio do Aleijadinho suscita a dúvida: porque ele se afastaria da cidade onde era tão prestigiado? Num relatório sobre as principais construções da região, enviado a Dona Maria I, o autor menciona Aleijadinho como "o novo Praxíteles", comparando-o a um dos mais famosos escultores gregos. ENFRENTANDO O MONARCA - Aleijadinho, segundo o historiador Rodrigo José Ferreira Bretas, seu primeiro biógrafo, custeou os estudos e ensinou a arte do entalhe para um meio-irmão, Félix Antônio Lisboa, que se tornou padre. Em 1831, quando Dom Pedro I empreendeu uma viagem para tentar restabelecer o prestígio da Monarquia nas Minas Gerais, os habitantes das cidades por onde ele passava recolhiam-se às igrejas, enquanto os sinos repicavam pela alma do jornalista republicano Líbero Badaró, assassinado um ano antes em São Paulo. "Em Vila Rica, essa missa de requiém, uma forma de protesto à presença do monarca, foi autorizada pelo diretório da Ordem Terceira de São Francisco, que incluía o Padre Félix Antônio Lisboa", lembra Isolde Venturelli. Sua opinião é de que o Aleijadinho teria contribuído para a formação republicana de Félix. O tema da República estava acesso no Aleijadinho: "O que teria levado Mestre Antônio a enfrentar, já no fim da vida, idoso e mutilado, tarefa tão árdua, não solicitada e mal paga?". A verdade é que Aleijadinho esculpiu os profetas de 1800 a 1805, desafiando enormes blocos de pedra-sabão com cinzéis que lhe eram amarrados nos pulsos por escravos. Recebeu em pagamento quatrocentas oitavas de ouro, preço abaixo do que recebeu por trabalhos anteriores. Mais um argumento para a tese de Isolde. PEQUENOS DETALHES - "As inscrições latinas que aparecem em todas as estátuas deveriam, a rigor, ser transcrições fiéis de seus versículos bíblicos. Isto, porém não ocorre sempre. Há uma freqüente adaptação", diz Isolde. Assim, no dístico do profeta Oséias há o surpreendente texto: "Aceita a adúltera?, diz o Senhor. Ela foi tomada como esposa, concebeu prole e pariu". Depois de muitas pesquisas, Isolde concluiu que Oséias é Alvarenga Peixoto, um conjurado apaixonado pela esposa, Bárbara Heliodora. Bárbara era adúltera: ela teve dois filhos com o contratador João Rodrigues de Macedo, que também esteve envolvido com a ação dos conjurados. São detalhes esculpidos, entretanto, que ajudam a comprovar a teste. Daniel ostenta, estranhamente para um profeta, uma coroa de louros, mais cabível a um poeta. Seria Tomás Antônio Gonzaga. Jeremias, em vez de sandálias usa botas e tem os cabelos apanhados num rabo-de-cavalo, penteado usado pelos oficiais contemporâneos a Tiradentes. Ele seria Francisco de Paula Freire Andrade. Ezequiel levanta o punho direito como a representar Luíz Vaz de Toledo, o mais agressivo dos inconfidentes, que declarou: "Mais vale morrer com a espada na mão do que viver esmagado como um carrapato na lama". Aleijadinho e o próprio povo estariam imortalizados em Amós, que exibe traços negróides e um barrete frígio, como o dos revolucionários franceses de 1789. (Revista Visão 30/11/81) Você tem maiores informações? Qual sua opinião sobre este assunto? Escreva. 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